terça-feira, 9 de maio de 2017

Baleia Azul. A Glorificação do Suicídio?

A Associação Portuguesa de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (APPIA) a alertou para a necessidade de os meios de comunicação social pararem com os conteúdos sensacionalistas nas notícias sobre a "Baleia Azul", afirmando que estes estão a contribuir para o aumento do fenómeno.

Num comunicado, a APPIA afirma assistir "com preocupação" à forma como o fenómeno "Baleia Azul" - fenómeno na Internet que estimula a automutilação e o suicídio - tem sido "tratado nos meios de comunicação social, com recurso a conteúdos sensacionalistas (que chegam a incluir imagens de cortes)".

"Queremos manifestar o nosso claro desacordo com este tipo de tratamento e difusão da informação", afirma a direção da associação, presidida por Teresa Goldschmidt, coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Santa Maria. O tratamento noticioso que está a ser dado a comportamentos autolesivos em jovens está "em clara contradição com as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde)". Essas normas, já transpostas para o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, desaconselham "a linguagem sensacionalista" e recomendam "o evitar de imagens e de descrições explícitas dos métodos usados para atos suicidários e/ou comportamentos autolesivos". A razão prende-se com a propensão para a imitação que tais comportamentos geram nos outros. "Os comportamentos autolesivos (tanto os suicidários como os não suicidários - vulgo "cortes", "automutilações") são altamente propensos a fenómenos de contágio e imitação, sobretudo em jovens adolescentes, podendo gerar verdadeiras 'epidemias'", alerta a associação.

Estes profissionais de saúde mental vão ainda mais longe e mostram-se convencidos de que isso já está a acontecer, "gerando uma onda de pânico nos familiares, cuidadores e comunidade, que não está a ser fácil de conter, e que potencia o fenómeno". "Face a esta situação, é essencial que os meios de comunicação social tenham uma atuação responsável, no sentido de minimizar (ou pelo menos não agravar) o efeito de contágio em curso, evitando usar expressões e projeção de imagens que glorifiquem ou reforcem esse efeito", afirma a associação.

Os psiquiatras infantis reforçam ainda a ideia de que "a 'baleia azul' não é um jogo (num jogo ganha-se ou perde-se)", desincentivando o uso deste termo, que pode ser considerado apelativo ou desafiador pelos jovens. Na verdade -- especificam -, a "Baleia Azul" é "um esquema de manipulação e abuso de menores e, como tal, deve insistir-se em não lhe chamar um jogo ou um desafio, uma vez que esses termos mais não são que engodos para cativar adolescentes mais influenciáveis e ingénuos".

A APPIA lança ainda um repto às autoridades, assinalando que o "esquema baleia azul" é "um crime que exige a atuação" policial e judicial. A associação lembra que "como em todas as situações de comportamentos predatórios, os mais suscetíveis são os mais frágeis, ou seja, os adolescentes mais imaturos, influenciáveis e sugestionáveis".

De facto não se trata de uma situação nova. Na sequência da divulgação sensacionalista ou romanceada, tornada épica, de um suicídio ou comportamento autolesivo, estão descritas "ondas de contágio" entre adolescentes e jovens adultos. É histórica a maior onda de suicídios na Europa após a publicação, no século XVIII, do livro de Goethe Os sofrimentos do jovem Werther. O momento de seu suicídio é um dos episódios mais comoventes do livro e, considerado por muitos, da história da literatura. O tom realístico e perturbador do romance provocou uma verdadeira comoção entre os jovens da época, que atraídos pelo espírito passional e depressivo de seu respetivo protagonista, resolveram seguir o mesmo rumo pondo fim às suas próprias vidas.

Geralmente esse comportamento adquire maior influência quando se tratando de celebridades ou figuras públicas — como já ocorreu, segundo pesquisas, na mesma época, com as mortes da atriz Marilyn Monroe e do músico Kurt Cobain.

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